quarta-feira, 14 de abril de 2010

Ideias de Vidro



[ Corro impasciente dum lado para o outro, numa linha calcada a negro, até desgastar o chão raso do meu quarto. Finto-me para não embater no meu passado, enquanto volto a passar, uma e outra vez, centenas de vezes e outras vezes mais... Precorro toda esta maratona iluminada até te incandear, febril e débil ser sem saber. Consigo fingir a tua presença, o que, pelo menos, me leva longe da responsibilidade de ter de me manter em ti! Tu, só ficas a saber nos dias a seguir... Meteste na tua cabeça congestionada que estariamos diluidos um no outro, tão neutros que sustentaríamos os nosso corpos na atmosféra. Estavas mesmo mesmo certa que o mundo tinha voltado a ruir debaixo das nossas sombras flutuantes ficando ilesos da desistência. Dizias que tudo se respirava acima do que deixamos de ser, exactamente quando voltamos a existir! Sabias que todo aquele humor húmido não tinha passado dum lembrete sujo. Oh, custa-me ter de te elaborar assim, desalmadamente e deslexico, porque sei que querias mais infinitude e menos corpo! ... Mais universo e menos poder! ... Mais ou menos...
Vou fingindo a tua presença, frustrado por o fazer sem problema! Limito-me a certificar que tudo continua intacto neste quarto que me cerca e que a linha desvanecida, que voltei a riscar, se mantenha em permanência, garantindo me, neste espaço, a ilusão amena da certeza... ]

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Submerge-se a Sombra no Sol



[ Frequentava-te sem o saberes! Existia no limiar dos nossos corpos, naquela linha da silhueta desenhada à mao livre. Expandi-me como um gira-discos estragado, vezes sem conta, até me preencher contigo. Visito-te! Trago sempre uma lembrança muito insignificante feita da última vez que estive em ti. Irrito-te quando a primeira coisa que recebes quando me abres a porta são embrulhos dos cantos mortos e inúteis do teu espírito. E irrita-me o quão gosto de te ver assim! E frequento-te, sem o saberes...
Mudei de apartado às escondidas! Descobri outro corpo onde habitar. Sei que hoje é dia de suposta visita, e que continuas à minha espera, aí, nessa varanda coberta de folhagem seca que detestávas. Achavas que merecia uma recepção mais honesta e polida! Querias me dar o que não conhecias, e eu queria abraçar o que não queria... Entretanto (provavelmente) já voltaste para dentro dessa tua casa modesta que esvaziei de mim! Sentes o calafrio no zumbir surdino das paredes, agora nuas.
Vou-te enviando envelopes vazios duma morada que não existe para ti! Vai só com o nome apagado do remetente... Não sabes mas continuo a receber chamadas do antigo senhorio, reclamando da quantidade de correspondência que a minha minúscula caixa de correio continua a ocupar! De dois em dois dias uma nova carta cai lá, dentro dum rasgo enferrugado dum espaço que já não tenho. Nos dias de agora, reside lá a Senhora Aurora, ouço o senhorio contar-me, repetidas vezes...

Fiz-te em mim para conseguir largar-te sem sentir saudade!... ]